PENSANDO

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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

FAZER SALA E ACOMPANHAR AO PORTÃO

Quando penso no tempo que perdi na vida fazendo coisas que não gostava e/ou coisas que deram em nada só não entro em depressão porque já sou uma pessoa em depressão.
De qualquer maneira aquela coisa que eu tinha na cabeça que me dizia que a vida era uma linha reta, que tudo que começava terminava, que tudo que fosse aberto seria, na hora certa, fechado, que um disco deveria ser ouvido da primeira à última música, que um livro nunca poderia ser abandonado depois de iniciada a leitura e que um filme tinha que ser assistido em silêncio desde o rugido do leão da Metro até a ultima letrinha que subisse na tela. Depois, mas muito depois, e bota depois nisso eu descobri que a vida é mais semelhante a cena de quem chega a noite na cozinha de uma casa fechada a muito tempo e ao acender a luz vê uma "manada" de baratas correndo em zigue-zague para todos os lados. A vida é um caos permanente e quanto mais se vive mais caótica fica e só não nos afeta pela absurda mania dos humanos de se adaptar a tudo.
Mas eu achava que cada minuto deveria ser útil, cada coisa tinha que estar em seu lugar, tudo tinha que ser feito conforme a regra, a logica e a ética.
Fui adestrado assim por meus pais.
Então quando chegava visita em casa, mesmo eu sendo criança e a visita adulta era inimaginável não fazer sala e ao final da visita não acompanha-la ao portão e ficar vendo a visita ir descendo a rua até dobrar a esquina, só então a vida podia voltar à rotina normal, e isso algumas vezes levava muito tempo. Tínhamos visitas que demoravam muito a ir embora. Mas a sensação de fazer a coisa completa era conseguida ao custo de uma brutal perda de tempo e de infância,  eu não podia e não devia participar dos assuntos e tudo o que eu dizia ninguém ouvia, mas as vezes meu pai ouvia e não aprovava nada as colocações pueris e babacas frequentes que eu oferecia ao diálogo, sei hoje, mais pueril e babaca que o meu.
Tínhamos umas pragas que quando apontavam no portão faziam o sangue gelar. Chegavam, se instalavam e as vezes "para nossa alegria" cochilavam e roncavam no sofá... tínhamos um cacareco ao qual chamávamos de televisão e isso atraia muitos chatos, numa época em que poucos tinham televisão. Acho que chegamos a ser praticamente os únicos a ter uma tv na rua inteira - praticamente - isso porque a nossa sala a noite ( minúscula sala ) ficava lotada de televizinhos - figura extinta da sociedade atualmente.
Enquanto a visita estava em casa não se podia fazer nada, não se comia nada - até porque a despensa em casa sempre foi muito pobre - e não se podia dormir. Mas tinha um tal de Afonso que vinha todo de linho branco, e numa bicicleta enorme e a pretexto de assistir tv tirava longos roncos em nosso sofá, que aliás era horrível, duro, de plástico... uma tortura. Afonso só acordava quando minha mãe jogava panelas no chão da cozinha. Quanto sono perdido, quanta falta de inciativa de jogar um balde de água na cabeça do infeliz... mas tinha um primo de meu pai que vinha e tinha assunto para um dia inteiro e o assunto era a coisa mais chata do mundo e um irmão desse mesmo primo que era mais chato ainda e só falava de programas de rádio que tocavam música caipira para onde ele escrevia cartas fazendo pedidos e desafios, não eram más pessoas, eram apenas chatos para o meu universo de expectativas infantis. Nunca vinham crianças com quem eu pudesse brincar, só adultos com assuntos intermináveis de adultos. Consumi grande tempo de minha infância esperando algo, com isso acostumei-me a esperar por coisas que nunca chegavam e isso deprime e enfraquece a alma. Não sei também porque permanecia na sala, não lembro de uma ordem neste sentido, apenas sei que tinha um peso enorme para alguém (?) a minha presença imóvel e calada fazendo sala.
A grande alegria do dia era quando a visita anunciava que ia embora, nossa, que festa interior eu fazia, mas não demonstrava.
Hoje eu educada e friamente pediria para as pessoas incômodas terminarem a visita e me liberarem para outros afazeres mais úteis para mim, ou... pasmem... acho que mataria as visitas chatas e enterraria no fundo do quintal. Como não pensei nisso antes...