PENSANDO

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sábado, 23 de abril de 2011

EXATAMENTE COMO SERIA PARTE I




Chega mais rápido quem conhece melhor o caminho, ou quem escolhe um lugar mais próximo, ou quem não comete nenhum erro, ou quem sabe com muita precisão onde deseja chegar, ou, ou, ou...

Naquela época minha vida era muito estranha, ao mesmo tempo em que eu ia descobrindo coisas que eu nunca sonhara que existissem, descobria também a minha total falta de habilidade em lidar com elas, passava por idiota com atestado.
A tarefa era levar um relógio para consertar, o endereço era no centro e eu faria um favor a um colega. A rua mostrou-se ser difícil de encontrar, ninguém sabia de sua existência, rodei muito, cansei, mas no final a encontrei depois de ter passado na esquina dela por duas vezes, eu era realmente um grande imbecil.
Era sinistra, não era suja mas era escura, impregnada de tempo, sem beleza, com um clima meio mal assombrado. Um prédio baixo, sem elevador, um odor de coisa sem recuperação, não adiantava querer limpar, reformar, estava condenado. A sala no segundo andar num corredor estreito não surpreendia, era um pequeno horrorzinho. Entupida de velharias imprestáveis prestava-se apenas a uma implosão. Aguardei longos e desagradáveis minutos para ser atendido, e na hora H não soube me expressar corretamente, tratado com ironia senti-me o mais absoluto e completo idiota. Queria morrer, o rosto queimava, perdia a sensibilidade da realidade e parecia que o mundo girava em volta de mim, era muito constrangedor.
O consertador de relógios no entanto mudou repentinamente de atitude em relação a mim e me ofereceu um café. Primeiro recusei por timidez, depois recusei por falta de merecimento e por fim fui vencido pela insistência e pela superioridade dos argumentos. O tão insistente café era algo parecido como passar uma semana no inferno, cheio de pó graúdo boiando, requentado que lhe dava um sabor metálico, sem odor, morno, impossível engoli-lo. E mais: o velho me olhava com um sorriso desconcertante, enquanto eu sofria para engolir aquela coisa abominável.
- Venha para esta outra sala, sente-se naquela poltrona...
A poltrona era úmida, surrada, fedia, tinha caroços, era alta demais e eu após sentar me senti imundo, achei que deveria ao sair dali jogar minhas roupas fora e ir embora nu.
Tudo me incomodava, o local, a sala, o velho, o lixo e o descaminho que a situação e as coisas dali haviam tomada. Tudo estava errado, era certo que em algum momento alguma decisão havia sido tomada errada e que quem deveria fazer algo não o fez. Construiu-se assim um pequeno pedaço de inferno.
Numa tabuleta uma frase: “ Chega mais rápido quem conhece melhor o caminho, faz tudo direito e obtêm o mérito.”
Pensei que era alguma frase da Bíblia, mas esse pensar era tolerável vindo da mente de um imbecil como eu. Incapaz de reagir, apenas permanecia e permanecia numa atitude que hoje classificaria de confusa, despreparada, artificial, covarde e imatura.
Por fim o velho me falou, iniciando com um sorriso e depois sem sorriso mas num tom mais cordial que professoral: - Daqui a algum tempo você terá 53 anos de vida, talvez 63, e se vera distante deste dia e deste momento em que vive os seus 14 ou 15 anos, sei o que digo, você não vai chegar a lugar algum, seu começo é ruim, seu molde é defeituoso, sua origem é ordinária, não sinto pena de você, não sinto pena dos imbecis, muitos imbecis vencem e depois corrompem a trajetória dos virtuosos, eu poderia te dizer: leia muito, mas você escolherá apenas as leituras erradas, indicaria as leituras corretas mas você não as entenderia, não tiraria proveito, seria hostilizado pelos imbecis que te cercam e se tornaria um arrogante, você provavelmente terá muitos momentos de felicidade, todos artificiais e breves, não saberá lidar com os sentimentos e constrangimentos alheios, você não se tornará um profissional, vai escolher errado, sempre fazer mal feito, cada vez pior, e seu status ira se degradando e cada vez mais você terá que aceitar as piores tarefas para sobreviver, não vão te faltar no entanto argumentos para justificar a sua preguiça, o seu constante fracasso e a sua inveja, alguém sempre será culpado em seu lugar, nada poderá mudar tudo isto que te digo... olhe para mim, tenho 87 anos, fui assim, sou assim, sou você, vivo encontrando pessoas como sou a cada momento do dia, em cada lugar que vou, são tantos que se tornaram a regra, em você nunca nenhum conhecimento será completo, você nunca será especialista em nada, ninguém te amará sinceramente e você não terá posses para comprar o amor... vejo o brilho de teus olhos e reconheço o mesmo brilho que via quando olhava no espelho, mas você não conhece o caminho, mesmo que te mostrem você não o enxergará, mesmo que por acidente você entre no caminho não saberá fazer nada direito, e por fim não vai merecer nada por seus esforços, todos empreendidos de maneira incorreta, a preguiça, a mentira e a arrogância serão tuas eternas companhias, além de uma imensa solidão que não te abandonará nem no meio das multidões, você vai sorrir um sorriso idiota para tentar conquistar uma atenção, uma feição e teu sorriso será sempre tão falso que em tua testa aparecerá escrita a palavra imbecil, não vai ser uma vida ruim, vai apenas ser desnecessária, será apenas mais uma vidinha idiota de um idiota entre idiotas, quem sabe um dia você tenha ao menos a grandeza de atitude de se matar corajosamente ou fugir para um lugar onde não te conheçam assim como você mesmo nunca se conhecerá... toma, leva o relógio de volta, diz que não tem mais conserto, tira este sorriso do rosto, imbecil, não seja grato a quem te arrebenta as ilusões, todos os seus sonhos serão inúteis.
Desci para a rua sentindo um forte cheiro de urina, eu tinha apenas treze anos de idade e não estava entendendo direito o que estava acontecendo, achei que era comigo e só comigo, havia sol, tinha um vento morninho, morria de medo de continuar vivendo e assim segui por dezenas de anos até me tornar consciente de que tudo aquilo que o consertador falou era a minha mais pura verdade, mas não era a minha verdade, não era a verdade de minha vida.
Depois dele conheci muitas outras pessoas idosas iguais, amargas iguais, cruéis iguais, ressentidas iguais, onde em cada uma eu conseguia identificar fragmentos do que era o consertador. Fiquei fortemente desconfiado de qualquer pessoa que comigo travasse algum tipo de conversa, estigmatizei muita gente, criei padrões de julgamento coletivos e errei muito meus julgamentos por não considerar que os fazia baseados em meus sentimentos daquele momento e não nos sentimentos dos julgados. Mas acabei gostando do jogo e passei a mergulhar cada vez mais no intimo de cada pessoa com quem cruzava e acertei mais que errei. O tempo passava e muitas palavras do maldito se confirmavam porque ele me havia plantado a consciência disso, também porque algumas verdades são básicas para todo mundo.
Percebi que ele me havia jogado num território onde poucos pisavam, ele me deu a consciência de que a vida não é obra da sorte ou do acaso, que contrariando o que ele afirmava eu podia sim,sabendo por antecipação, moldar algumas coisas, mas quando não conseguia ficava claro que eu estava no território dos poucos, dos que sabiam que a vida podia ser melhor e que a chave estava em minhas mãos. Saber isso pesa muito e dói demais. Os verdadeiramente idiotas são imensamente mais felizes.
Cumpri a sina, li coisas inúteis, coisas que nunca entendi, arrastei uma imensa sensação de não estar fazendo as coisas por completo e de estar aquém dos resultados cabíveis. Ele foi cruel em falar e eu covarde em ouvir.

DAR


O sentido de propriedade sempre existiu dentro do ser humano.
Desde sempre os indivíduos procuraram preservar aquilo que achavam que lhes pertencia. Certamente desde sempre também existem a generosidade e a mesquinharia. Acumular algo além do necessário faz sentido para alguns e é abominado por outros, basta ler Karl Marx para entender claramente como a sociedade lida com o excedente. É revoltante quando se é jovem e se descobre no conteúdo da obra de Marx a tradução do funcionamento do capital, da riqueza e do excedente, porque estamos numa fase de grande sonhos e ilusões, e bem nesta hora em que estamos dispostos a doar e fazer transformações no mundo descobrimos a regras básicas e imutáveis da propriedade.
Mas fora a propriedade material há uma outra propriedade que também se enquadra na mesma regra com um grau muito, mas muito mais elevado de sofisticação.
Trata-se do doar-se na relação com as outras pessoas, vamos entender assim: você tem um capital pessoal composto por seu tempo, sua disponibilidade, por sua capacidade de se comunicar, por suas possibilidades de sentir e avaliar o comportamento dos outros, você tem ainda seus gostos pessoas que se espelhados ao de outras pessoas constituem suas afinidades com o social. É imenso o número de itens a serem relacionados mas o que nos importa agora é entender que dispomos de algo que podemos guardar e ser distantes e solitários ou que podemos dispor com generosidade e compartilhar com pessoas afins.
Alguns usam tal patrimônio com muita honestidade e alguns com muita esperteza.
Com honestidade você conquista boas amizades e as mantém, com esperteza você conquista justamente o patrimônio material, justamente aquele que todos querem, aquele deveria ser obtido pelo esforço de cada um com seu trabalho, aquele que deveria ser obtido apenas no volume necessário para a vida ir sendo levada.
Bem, o atalho é buscar o primeiro tipo de bem usando o segundo tipo de bem, você usa seu charme, seus atributos físicos, seu potencial sexual, seu carrão e atrai alguém que por algum caminho obteve bens que você quer sejam transferidos em parte para você com os menores empenhos e custos possíveis, é jogo rápido, você quer gastar o mínimo com a outra parte para obter algo geralmente muito específico, pode ser: um celular, uma noitada, um par de peitos de silicone, o status de ter saído com alguém que se destaca e depois poder contar histórias mirabolantes sobre.
Diálogo:
- Eu consigo quase tudo que tenho envolvendo os homens, mas conseguiria mais se fosse mais esperta.
- Eu acho que você conseguiria mais se fosse mais sincera, porque conseguiria além de coisas mais valiosas relações mais duráveis, um bom nome na praça ou quero dizer: uma reputação positiva e mesmo que seus relacionamentos não fossem duradouros, seriam intensos e gratificantes para ambos os lados, poderiam terminar com presentes de despedida ao invés de ressentimentos por parte de quem se sentiu usado.
Por fim vejo que ser esperto é apropriado para obtenção de migalhas a curto prazo, coisa para quem tem pressa, coisa para quem sabe que aparência é um patrimônio volátil. Já, mergulhar na alma alheia, sem medo, sem intenções é prá quem sabe que vai colher algo permanente e de longa duração, que colhe porque no mergulho há troca, que entre pessoas integras há generosidade, que o sentido de preço inexiste, que numa dessas até materialmente se sai ganhando.
Entendeu agora...

PS.: Há sempre o risco de se topar com alguém mais esperto que a gente e sair com prejuízos incalculáveis pensando que ia nadar de braçada.

BONO X IVETE



As informações vem em gotas, são pouco confiáveis mas temos nossos juízos próprios e intuímos sobre a consistência dos fatos.
Falou-se numa rádio de São Paulo que o Bono do U2 recusou-se a gravar com a Ivete Sangalo, falou-se também numa rádio que em 85 quando o Queen veio ao Rock in Rio o Fred Mercury expulsou do camarim, ao chegar ao show, um monte de artistas brasileiros que lá estavam acomodados prontos a dar as boas vindas e conhecer pessoalmente o ídolo indiano, falou-se também no rádio ( pô esses caras das rádios falam prá cacete ) que o mesmo Bono quer fazer um show em Copacabana durante a copa do mundo de 2014, que quer gravar um DVD no Corcovado e que convidou para tanto o nosso rei Roberto Carlos e pasmem, mas pasmem mesmo: Ivete Sangalo. O rock errou. Errou de porta, errou de hora o rock errou de amor.
Um pouco sobre gosto e preconceito ( parece até nome daqueles romances que viram filmes como é mesmo o nome da autora? tem até um filme com o nome dela “Clube de leitura de ????? ), nosso gosto é formado baseado em mistérios, senão como explicar que alguém possa gostar de música clássica e buchada? Ou ainda axé e literatura? Experimentemos Axé e Rock in Rio? Tai, axé e Rock in Rio... nada de novidade, primeiro porque Rock in Rio é no máximo a junção de uma série e letras que não forma sentido algum, senão como explicar que o evento ocorre regularmente em Portugal e na Espanha e na Líbia ( eu escrevi: na Líbia?????) e não no Rio. Se não é importante que Rio seja no Rio, minimamente importante também que rock seja rock, pode ser axé, pancadão, Hip Hop, pagode, pode ter até Erasmo Carlos, Ivan Lins e Rita Lee e daí pode ter também, é justo ter alias, Claudia Leite, Ivete Sangalo, Calypso, Bono Vox, Tiririca cantado Forentina de Jesus e Genival Lacerda cantando Ela deu o rádio ( acho que este já morreu, já morreu???), pode tudo, pode o que quiser, só não pode ter coerência.
Agora sobre preconceito: acho que a arte, a verdadeira arte, não teme a crítica, ela se lixa prá critica, a arte segue, empurra os limites e escancara valores.
A arte pode tudo porque o artista verdadeiro não depende dos meios materiais para viver, o verdadeiro artista tem uma missão: produzir a inquietação. Para produzi-la ele tem que ser livre, independente, atemporal e capaz de transforma algo naquilo que imaginou. Mas o artista é algo totalmente diverso do espectador, e mais, o artista vive um universo oposto ao do espectador. O artista constrói algo, o espectador consome algo. O artista pensa antes e pensa por todos, na maior parte do tempo ele determina como o mundo deveria ou vai pensar a seguir.
Nuns momentos, que não sei porque, a arte se torna, só em alguns casos: entretenimento. Pois entendamos, arte é arte, diversão é diversão, mas diversão pode originar-se na arte. Ivete Sangalo pula, chacoalha, grita, diverte, mas não é arte não é rock, Ivete não amplia fronteiras, só contas bancárias e seus propósitos não vão muito além disso.
Bono descobriu como ganhar muito dinheiro, descobriu que no Brasil quem também sabe ganhar muito dinheiro é o futebol, Roberto e Carlos e Ivete Sangalo, logo Bono cola na Copa, no rei e na Ivete e amplia as fronteiras de sua conta bancária.
Fred Mercury quando chegou ao Brasil em 85 já era e sabia que era soro positivo, transou com meio mundo no Rio de Janeiro mas sabia que o que saia de sua goela quando ele estava no palco era arte, e naquele momento uma arte grudada na angustia. Depois do episódio do camarim aceitou conhecer todos os artistas brasileiros que havia posto para fora e deve ter transado com uma porção deles. Foi assim também entre os portugueses e as índias do Brasil, ainda é assim no litoral sexo-turístico brasileiro, nós damos mesmo.
Mas o Fred não comprometeu sua obra, não chamou ao palco a Fafá de Belém ou a Gal Costa prá cantar Carinhoso, Fred vinha ao Brasil mostrar seu trabalho, sua arte, ganhar seu dinheiro, e gasta-lo com surubas, mas no palco não bajulava, seu trabalho era fechado e integro, era bem visceral.
Gosto de quase tudo do Queen, de quase tudo do U2, de quase tudo do Roberto Carlos. Não gosto de futebol, especialmente Copa do Mundo, e não vejo valor no trabalho da Ivete Sangalo, ela não me diverte, faz um personagem muito bajulador e artificial, tudo muito estudado para agradar, para parecer simples mas ela é uma atriz fraquinha e não engana a todos o tempo todo, e deve servir a outros mesmo que isso que escrevo agora possa parecer e é arrogante.
Fechando, gravar com a Ivete não pulveriza Miss Sarajevo nem Sunday Bloody Sunday
mas pulveriza se cantá-las com a Ivete em cima de um trio elétrico.

Ps.: Para entender o espírito da coisa responda rápido: 1) Pablo Picasso aceitaria costura seu painel Guernica no Gerra e Paz de Portinari? ou 2 ) Tarcila do Amaral aceitaria que Diego Rivera desse umas pinceladas no Abaporu?