Foi em 1986, pode ter sido em outro ano, mas algo me diz que foi em Paraty - com certeza, isso eu tenho - em Maio de 1986 um certo festival de música sacra. Não sei se ainda existe, se conseguiram preservar aquela maravilhosa ideia que me contou o maestro Jonas Christensen, foi do Papa João Paulo II, que a ele atribuiu de fazer com que o festival viesse a existir em alguma cidade histórica brasileira.
Mas o gran finale do festival foi na igreja matriz de Paraty e um dos grupos corais que se apresentou marcou-me por longo tempo pela surrealidade e comicidade da situação.
Formado por pessoas com um pouco mais de idade - diria entre 35 e 50 anos - e com uma certa vontade em inovar ou se destacar fizeram algo bem diferente mesmo e marcante. Foi assim: o coral entrava na igreja cantando, percorrendo o mesmo caminho que percorre uma noiva, entravam pela porta principal e iam cantando até chegar ao altar onde havia sido arranjado um grande palco. Não lembro o nome do coral, de onde era e nem qual era a música que cantavam, e prá dizer bem a verdade até a agora pouco, em meu café da manhã, eu nem lembrava mais da passagem. Mas alem de entrar cantando eles tinham uma formação curiosa, entravam em duas filas indianas e caminhavam dando um passo para o lado e paravam davam um outro passo para o lado oposto ao anterior e paravam novamente. Assim as duas colunas iam balançando lentamente de um lado para o outro, enquanto eles cantavam a todo pulmão e olhavam fixamente para frente. Honestamente, pô, como eu vou escrever uma coisa dessas a seguir?... era patético... tudo era patético: a roupa, as caras, a música, a pretensão inovadora, a coreografia medíocre.
Mas nada desagrada a todos, algumas pessoas - falarei no final do texto sobre esse tipo de pessoa - choravam emocionadas diante da tão, tão, tão... inesperada performance do grupo vocal.
Brasileiro é ruim de numero, isso é um fato que se quiserem eu discorro por dias seguidos com milhões de exemplos até convence-los. Aqui ninguém sabe nada de número, dimensão, proporção ou coisas assim... colocou número na parada dá merda. Um arquiteta prá quem fiz um trabalho recentemente não sabia o que era uma polegada... vi engenheiros da CESP de Marília se embananando na hora de calcular quantos mourões seriam necessários prá construir um alambrado, e assim vai... ora, se um cara é maestro não tem a obrigação de saber nada mais além de música, código de transito e primeiros socorros para engasgados, certo? Mas e quanto ao corredor da igreja em questão versus a velocidade do avanço do grupo vocal divido pelo tempo da música elevado à raiz quadrada do número de expectadores que desejavam que o coral chegasse junto ao palco no finalzinho da música para aplaudi-los - ou vaia-los, conforme o gosto, eih?
Simples assim, na metade do corredor todo mundo notou que a música ia acabar primeiro. Ninguém lá dentro ignorava, agora pela mais pura intuição que aquilo não ia dar certo. O grupo estava lento demais na caminhada? O corredor era muito curto? A música era breve demais?
Todos sofremos, aquele sofrimento pelo constrangimento alheio, pela mediocridade matemática do maestro ou de quem quer que seja que tenha tido a infeliz ideia da coreografia ou que não tenha ensaiado antes ou ao menos notado que a igreja era grande para cacete. Eu cagava de rir da cara de agonia de todos, mas era um rir nervoso, desconfortável e doloroso. O que já era patético, fico hiper patético, a apresentação virou um suplicio, os passos começaram a ficar longos e a coisa piorou mais ainda, porque tudo se desacertou e alguns puristas filhos das putas resolveram não acelerar o passo e o coral rachou ao meio, virou uma bosta.
Nada mais casava com nada... o que salvaria aquela apresentação?
Acho que nem vou contar, porque ninguém vai acreditar... o Batman. Na verdade não foi o Batman, foi um primo distante dele... um morcego bem grande começou a voar dentro da igreja. Passou a dar rasantes sobre todos. Tem gente que nem liga, tem gente que se caga de medo, então a igreja - que estava lotada - passou a ter um movimento ondulante, tipo holla em estádio mexicano, era bonito de ver e quem conhece morcego sabe que ele fica ali fazendo o mesmo itinerário de forma meio circular por um bom tempo, com isso tinha uma parte da igreja que se divertia e outra que sofria e no meio o coral na maior cara de pau escorria em direção ao altar e se safava da merda que fizeram.
No final grande aplauso para o morcego... e o limbo para o coral que ao deixar de ser apenas coral mergulhou num mundo que não era o seu... mergulhou por falta de humildade em apenas cantar bem... queria arrasar, queria aparecer mais que os demais. Em algumas situações devemos aceitar ser apenas figurantes, na maioria devemos ser apenas participantes e não estrelas. Talvez a maioria dos velhotes daquele coral hoje se divertem em bailes da terceira idade, é isso ai, dançaram lá na igreja e descobriram que dançar é uma coisa legal, mas tem que ter um coreografia e um sincronia... tem também que conhecer e dominar o espaço e principalmente saber que: bailarinos não cantam.
Nota.: Agora falarei sobre um tipo de pessoa, dentro de meu eterno desfiar sobre a mediocridade humana.
Quando eu fazia teatro amador ia sempre com o pessoal do grupo ver uns espetáculos de teatro gratuitos nas sextas ou sábados à meia-noite. Era a apresentação prá classe... eu não era da classe mas ninguém queria saber sobre isso. Um dia fomos ver "Bonitinha mas ordinária" de Nelson Rodrigues na montagem profissional mais amadora que já vi na vida, tanto que ao final, os colegas da classe artística - incluindo Antonio Fagundes, presente na ocasião - aplaudiram sentados, eu nunca tinha visto nada assim e não voltaria a ver um artista ser aplaudido sentado. Mas antes da peça os atores abriam um vão da cortina e saiam para aquecer o público contando umas piadas. Aquilo já era uma promessa ou um presságio. Uma piada era pior que a outra. Mas bem na minha frente - não vou dizer que era um viado afetadíssimo prá não me enquadrar como homofóbico, mas foda-se era um viado afetadíssimo rasgava-se de rir... problema dele se ele achava engraçado, mas ele se esticava a ponto de sua cabeça chegar bem perto de mim e numa das esticadas de braços, ah, sim, ele esticava os braços prá conseguir expressar toda a explosão de riso que as inodoras piadas lhe causavam... , ele me acertou o rosto... passei a esperar com grande espectativa o final de cada piada a fim de me abaixar e me proteger da bicha. Mas ali notei o que quero definir, uma pessoa desenquadrada, fora do clima do momento, uma gargalhada no funeral, uma insistência inoportuna, chorar na hora errada, chorar de coisas piegas, mostrar uma falsa sensibilidade prá aparecer e aparecer muito... não suporto, já fui assim também, já tive minhas necessidades de luz, mas estou melhorando... mas aquele tipo que sai da condição de massa prá chamar demais, a atenção de ultima hora, na hora mais oportuna, na hora que vê que há uma brecha, é o cara que atravessa pelado o campo de futebol na hora do jogo, um babaca, o mesmo que abraça o candidato a prefeito na rua e diz: vamos juntos até a vitória... acho que defini, né?