PENSANDO

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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

A FÉ.

 Nunca acreditei.
Buscando fundo na memória, não encontro nenhum momento em minha vida em que tenha acreditado em algo sobrenatural, nunca tive medo e nunca tive fé.
Achava divertido sim as noites em que passávamos ouvindo a Tia Benta - que raramente nos visitava, mas que quando vinha era uma alegria só, um verdadeiro frisson - contar as histórias mal assombradas. Ela contava causos da juventude, de uma época que nos parecia muito distante, de um tempo antigo vivido só por pessoas muito velhas, de uma falta de tudo, de um início de tudo, uma época em que as coisas verdadeiramente sobrenaturais aconteciam. E nós, eu com uns 6 anos no máximo, eramos já de um outro tempo, de um tempo em que algumas coisas já não existiam mais, por isso eu não acreditava e não temia, apenas sentia aquela coisa do suspense, da angústia que cria o compasso de uma história bem contada, e a Tia Benta sabia fazer isso. Ela tinha um tom de voz manso, dava o tom correto, sabia guardar o desfecho para o momento certo. Fora isso não sabia e não fazia mais nada na vida.
Depois alguns outros fatos, geralmente doenças na família, me fazia ter a certeza de que não havia nada para se acreditar. Num tempo, agora meu tempo, em que a medicina engatinhava, e em que eramos pobres o suficiente para nem sonhar em ir a um médico restava o curandeirismo. E esse, gloriosamente falhava, sem exceção falhava, nada de bom acontecia, as coisas nunca se resolviam por essa via e com isso eu tinha provas e mais provas de que a fé de minha família era um enorme perda de tempo.
Vi bestificado algumas atitudes e mudanças chocantes de crenças e vi como era volátil a fé familiar. Iam atrás de qualquer novidade, aceitavam qualquer possibilidade, uma profunda fé em coisa alguma, nada nunca fundamentado, justificativas que nem a uma criança como eu convenciam.
Com isso liquidou-se para sempre em mim a ferramenta fé, fé cega, mergulho em confiança.
Livrei-me portanto das contradições que mordem os calcanhares de todos os que acreditam.

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