PENSANDO

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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

MARCHA SOLDADO...

Eu não queria ir, mas não havia opção, chegava minha idade de alistamento.
Foi aquela rotina de sempre, fila na madrugada, longa espera, burocracia e data para voltar e iniciar um lotérico processo seletivo.
Depois de voltas e esperas que levaram meses e testes e exames médicos coletivos, um belo dia estamos em fila aleatória por ordem de chegada o Robson, o Zé Carlos e eu. Havia uma mesinha onde um soldado carimbava a ficha da gente, e como todo mundo só contava mentiras e pregava peças ninguém sabia se era verdade ou não que aquele era o dia em que saberíamos se iríamos servir ao Exercito ou não. O Robson teve sua ficha carimbada e virou-se para nós fechando um dos olhos com um sorriso muito amarelo no rosto, em seguida o Zé Carlos virou-se pálido para nós, depois eu ouvi o barulho do carimbo e a frase: Dia tal, 6 horas da manhã, aqui com o cabelo cortado e barba feita.
Estavamos dentro...
No principio achávamos que era uma gelada. Voltamos prá casa no Corcel amarelo do Robson em profundo silêncio e sem saber o que seria de nós.
Marcamos o dia para cortar o cabelo juntos, escolhemos o barbeiro que cortava o meu cabelo no quarteirão onde eu morava, 6 da tarde depois que todos saímos do trabalho. Debaixo de urros e vaias eu fui o primeiro. No dia seguinte levantar 5 da manhã e as 6 horas mais perdidos que não sei o quê e apavorados pisamos pela primeira vez no quartel na condição de soldados do Exército Brasileiro. No dia seguinte recebemos o fardamento e os coturnos. Na manhã seguinte andavamos feito uns deformados com aquelas botinas enormes, duras e absurdamente pesadas.
Quem não deixou absolutamente brilhante o seu par já entrou pelo cano no primeiro dia. Era dureza, tinha que fazer a barba de madrugada porque se ela despontasse já dava encrenca.
Veio a primeira guarda, ou seja ficar no quartel vigiando não sabiamos o que, eu e o Robson em pleno Carnaval. Neste dia resolvemos arrepiar queríamos mandar e muito. Nos inscrevemos no curso de Cabo. Ralamos, treinamos e dois meses depois recebíamos nossas divisas em nossa primeira promoção. Eu com um honroso 2º lugar na prova escrita atrás apenas do Cabo Ogawa e em primeiro no comando de ordem unida ( comandar as tropas em marcha ). Na prova de armamento ( desmontar e montar uma arma e reconhecer cada peça ) tirei nota máxima mas achei que todo mundo foi bem também, só um aspirante foi reprovado e não foi promovido.
Mas a maior surpresa foi que eu seria em seguida promovido novamente, agora para xerife, ou seja, o cabo que colocava os cabos em ordem para apresenta-los ao comando. E mais, aos Sábados meu sargento não vinha ao quartel então eu recebia o comando da Segunda turma, 120 soldados, diretamente do Sub-Tenente, e antes das 3ª a 5ª turmas que era passadas para sargentos. Em seguida fui dispensado das guardas, ou seja eu não precisava mais dormir no quartel a cada mês, e transferido para o serviço burocrático. Virei patrão. Conquistei a amizade de meu sargento, o maravilho Mario Ribeiro 1º Sargento e um dos melhores amigos que já tive na vida, saiamos para beber, para ir em bailes, eu morria de rir das piadas e micagens dele. Ele era muito engraçado e todos invejavam nossa turma por termos um homem assim nos instruindo, na verdade ele cursava Odontologia na USP e não tinha muito tempo prá gente.
Nossa turma era boa, a gente trabalhava direitinho mas olhando de fora parecia uma zona.
O tempo passou rápido, peguei fama de ruim, mas no exercito ou você esta de um lado ou do outro, ou faz certo ou toma porrada. Integrei a equipe que foi campeã de tiro embora eu tenha contribuído para piorar a média da equipe. Um Sábado fui chamado pelo sub-tenente para assumir o comando do quartel porque ele ia sair para almoçar com os sargentos, eles dobraram a esquina e um carro desgovernado invadiu o quartel indo parar no meio na quadra de futebol.
Tava armado o circo, não acreditei naquele azar. Foi um rolo, o motorista tava muito nervoso achando que eu ia manda-lo prá cadeia por ter feito aquilo, tivemos que chamar a polícia prá fazer BO e o cara jurou por Deus que ele mesmo ia reparar tudo. O cara tava tão apavorado que ralou o Domindo todo com os amigos e na Segunda tava tudo novinho em folha, mureta, alambrados e pinturas.
Rolou de alguns amigos serem expulsos por indiciplina ou faltas ( um deles seria mandado para servir na amazônia e se tornaria Dragão da Independência e faria a Guarda pessoal do General que era o Presidente da República), eu fazendo muitas amizades, meus patrões prometendo me demitir no dia quer eu desse baixa e o tempo correndo como louco.
Provas finais, marcha de 20 e tantos quilometros, um dos momentos mais gostoso de minha vida, e enfim a festa de despedida. Parentes, lágrimas, muita, mas muita tristeza e duas surpresas: Um consagrador diploma de melhor Cabo e continência em posição de sentido e aplauso dos quase 450 colegas e mais outros 1000 e tantos convidados incluindo o prefeito da cidade e um convite para continuar trabalhando no quartel a serviço do Exército como civil contratado pela prefeitura, vaga que agradeci mas recusei.
No inicio morri de medo de entrar, não me achava capaz, fiz tudo certinho e sai com o numero 1.
No dia seguinte perdi meu emprego que eu gostava tanto e onde estava já a 7 anos, ironia ter reciusado um emprego no dia anterior, mas o salário era muito baixo mas consegui um de vendedor de cine-foto-som que foi um dos períodos profissionais mais deliciosos de minha vida.
Poucos anos depois o Sargento Mario Ribeiro morreu em um acidente aéreo no Mato Grosso.
20 anos depois tentamos nos reencontrar mas não tivemos sucesso. Hoje faço parte apenas da comunidade do Quartel no Orkut, mas é tudo muito disperso.
Servi durante o regime militar, na época o Coronel Erasmo Dias saiu as ruas em perseguição aos estudantes da PUC e achavamos que ia dar merda, não deu. Conheci dentro do exército uma família totalmente afetuosa e respeitosa, onde todos eram tratados com rigor e dignidade, onde os de bem eram contemplados e os malandros punidos. Não havia sargento bobo e eu nunca vi ou ouvi dizer de nenhuma injustiça. O filho do vice prefeito era meu subordinado e ninguém lá sabia quem era rico ou pobre, todos eramos iguais, absolutamente, havia um senso de justiça profunda. Foi a minha passagem de adolescente para homem. Devo isso a eles.
Por 5 anos voltei, não ao quartel mas à junta para carimbar a reservista e lamentava estar fora daquilo. Como lamentei também não ter comprado minha farda para guarda-la.

5 comentários:

Anônimo disse...

Era o Caborella, certo?

Família Meneghel disse...

Arqui, a história era muito mais longa e grande parte foi suprimida, mas como no caso do Armando Azzari pretendo voltar a este assunto que tem peso em minha vida.
Seu comentário é preciso e exato.
Abçs.

Mary Joe disse...

Vitorio, as vezes, tenho dificuldade de entender os muitos Vitorios que se escondem aí dentro. Confesso que fiquei boquiaberta. Melhor Cabo? Um anarquista convicto?
Estou parecendo o máscara de queixo caído.
Mas a história foi deliciosa. Volte sim no assunto.
Vou adorar saber...
Beijokas
Mary

Francisco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Francisco disse...

Grande Vitório
Novamente me faz retornar à minha adolescencia e verificar a semelhança entre nossa juventude. Primeiro foi a Dione, onde tivemos processo semelhante, agora o tempo do Tiro de Guerra, o qual também iniciei com desconfiança, talvez algum temor, enfim não era nada daquilo que imaginávamos, tornando-se uma delicia aqueles tempos que não retornam mais.
Soldado do Exército Brasileiro
abçs
Francisco