Morávamos num quintal enorme com varias casas e todos os elementos necessários para viver em profunda alegria. Dois avós adoráveis, todas as tias e tios, todos os primos e primas e amizade e relacionamento com todos os vizinhos da rua. Vendedores ambulantes que passavam frequentemente, árvores no quintal, um poço de águas cristalinas tiradas com balde e muito lugar para brincar. O lugar pulsava e vivia, brigava-mos, brincava-mos e nos invejávamos. Não lembro de dias de chuva, parece que só havia sol e também não me lembro de Invernos, raros momentos de frio. Mas passávamos vontade de um monte de coisas que só o dinheiro podia comprar, mas não nos faltava criatividade, barracões entulhados de coisas velhas e sem utilidade e crianças vindas da vizinhança.
Aquela alegria ficava maior quando alguém se casava, então havia grandes festas e depois da festa alguém sempre ia embora, passava a não morar mais lá. E assim todos foram saindo e aos poucos aquele mundo foi se esfarelando, os avós morrendo, os tios mudando para outras casas próximas ao filhos que já tinham ido na frente ou compravam um chácara e ficavam parte do tempo lá. É muito triste isso. O quintal esta lá, ainda é nosso, está bem modificado mas com todas as casas no mesmo lugar só que todas modificadas e ampliadas. Só minha mãe ainda mora lá sozinha. Quando falamos sobre ela mudar de lá, ela sempre diz que gosta dali e que não pensa em sair de lá, embora sempre contraditória diga que adoraria morar em outro lugar, mas se você tratar a sério do assunto ela entra em pânico. Ela simplesmente não tem coragem de mudar de lá. Eu acho deprimente ser o último morador de um lugar que já foi muito alegre e vivo e hoje é uma vila fantasma. Na rua poucos moradores de nossa época, as casas foram vendidas e nasceram conjuntos de prédios enormes com centenas de pessoas em cada um, em apenas um prédio hoje mora mais que a soma de todos os moradores da rua em nossa época. Com isso o isolamento aumenta. Li esta semana sobre as vilas em Rondônia criadas ao longo da linha telegráfica implantada pelo Marechal Candido Rondon no final do século 19, a decadência dos lugares que se tornaram vilas fantasmas onde sobrevivem minguados moradores que não querem abandonar o lugar perdido no meio de uma infinita plantação de soja, um lugar nenhum, monótono e sem razão de continuar a existir.
Tenho prevenido amigas minhas, jovens de 20 e poucos anos, que não querem ter filhos e já moram sozinhas sobre a solidão e o ser deixado para trás como minha mãe. Hoje elas acham isso uma atitude, mas um dia irão ver que isso foi um erro estratégico na vida.
Eu não acho ruim a solidão num lugar escolhido para morar a fase madura da vida da gente, mas nunca moraria num lugar impregnado de boas memórias como é o nosso quintal. Parece que a vida fica pairando por lá, com todas as idades de todas as pessoas que moram ali. Hoje devido aos prédios que foram construídos na divisa o quintal dá eco. E eco é sinonimo de solidão, é ouvir apenas o barulho que você mesmo esta fazendo.
Na foto acima a fotografa dos Beatles Astrid Kirchher em sua juventude num auto retrato.
Astrid viveu a loucura da beatlemania, viu aquele mundo acabar e hoje ainda vive como resíduo daquela loucura que arrastava tudo por onde passava.
3 comentários:
mt legal suas lembranças ,que tbém são um pouco minhas!!!qto a sua mãe permanecer no lugar até hoje talvez seja a maneira que encontrou de ser feliz,de viver bem...viver no lugar a vida td,não pode ser tão ruim,visto as árvores plantadas á décadas que ainda dão flores e frutos mais para dar bons frutos tem que ser regadas,cuidadas,amadas,assim como nos ,não importando o lugar,com
quem e como vivemos,não acha????
bjtos
Vitorio, minha percepção é um pouco diferente da sua. Não conheço sua mãe e nem tampouco seu quintal.
Mas me lembrei de meu pai... nós morávamos numa casa bastante grande em BH. Num bairro que era periferia na minha infância. Desses que tem ônibus de hora em hora.
Ele adorava aquilo ali. Quando nós todos fomos crescendo e morar ali ficou inviável, ele falava de vender a casa.
Mas bastava aparecer algum interessado e ele logo corria leguas. Achava mil motivos para ficar.
Hoje entendo porque ele fazia isso. Ele se sentia parte do lugar, como disse a sua prima creuzita, as árvores que ele plantou lá ainda davam frutos.
Ele conhecia TODO o bairro, naõ apenas os da minha rua. E falava que em outro lugar, seria apenas mais um na multidão.
Será que essa também não seria uma outra forma de solidão? Porque Vitório, para sua mãe, ela pode ser tudo menos só, ali, com a vida que criou, os objetos familiares, onde até as plantas fazem companhia.
E de repente ser arrancada dali poderia soar como uma agressão a ela, como se abandonasse suas raízes.
Sobre suas amigas jovens. Acho que a questão é de criar laços. Amigos, parentes, tudo dá no mesmo desde que a gente consiga se sentir parte de algo.
Beijokas
Mary Joe
Primeiro me deu uma saudade enorme daqueles tempos e daquele espaço. Acho que este texto tinha de estar no Blog dos Meneghel. Todo aquele espaço emana memórias e meus fantasmas vivem lá. Talvez tenhamos mais lembranças positivas do que negativas, entretanto essas sempre vêem à mente, principalmente os velórios abrigados na sala de casa. Sobre sua mãe insistir em ficar lá, torça para que ela tenha sempre saúde. A minha mãe saiu de lá por motivos de saúde e até hoje sonha em voltar. Talvez para resgatar aqueles tempos em que ficávamos com as janelas abertas, quital sem grandes muros e barquinhos de papel colocados na enxurrada (só pra vc lembrar que lá tb chovia...e as goteiras da casa da Nonna sempre com panelas e pinico para segurar a água...). Creio que sua mãe iria curtir a música do Nando Reis (abaixo) que faz todo sentido quando ouço no carro, passando pela rua da Represa...
Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia
Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar, me adaptar (3x)
Eu não tenho mais a cara que eu tinha
No espelho essa cara já não é minha
É que quando eu me toquei achei tão estranho
A minha barba estava deste tamanho
Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar, me adaptar
Não vou me adaptar!
Me adaptar!
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