PENSANDO

PENSANDO

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

UNIDOS, MEIO UNIDOS, DESUNIDOS JUNTOS

Um mergulho em pé, em águas escuras.
1 - Eles ficaram juntos até a morte. Ela infernizando a todos com a eterna história de que ele tinha outra família, de que tinha uma moça que um dia veio na casa dela prá fazer sondagens mas que na realidade era filha dele. Ele dava de ombros, resmungava mas no final mesmo nem ligava, ia para o quintal, sentava numa cadeira velha e passava o dia vendo aquele monte de tranqueiras acumuladas por anos no meio das árvores, de um galinheiro desabitado e de um horta sem culturas. Morreu primeiro ele e não apareceu ninguém nem prá chorar nem prá reclamar nenhum direito, morreu ela reclamando, e reclamando e importunando a todos com a mesma história, nem a memória dele ela preservou de acusações. O que os uniu até a morte foi o desejo de ficar próximo para infernizar um ao outro e a covardia em tomar uma atitude de separação.
2 - Eles construíram casas a vida toda e viajaram muito. Nem notaram que tiveram seis filhos, três casais.
Cada vez que uma casa estava pronta e ajeitada eles fazia um grande viagem e quando voltavam a casa já não era mais a ideal, o lugar não era mais o mais conveniente. E foram construindo e mudando assim que dava e acabavam a casa morando nela, eram tão variadas as casas e a localizações que ficou impossível estabelecer qual era o critério que usavam. Os filhos foram casando e indo para longe, uma eles perderam.
E ainda estão vivos e a qualquer momento devem ou viajar ou iniciar uma nova casa. O que os uni é a eterna     necessidade de fazer planos em comum. Não que concordem com tudo, mas sempre chegam juntos a algum lugar.
3 - Eles viajaram muito, arriscaram muito, subiram e desceram na vida muitas vezes. Criaram filhos mimados. Desenvolveram um tipo de cumplicidade meio criminosa e não tinham muitos escrúpulos em dar uma forçada nas coisas em favor do casal. Abriram o casamento de forma escandalosa e passaram a dividir a cama com outros casais ou outros parceiros e isso de uma forma muito aberta. Envelheceram juntos e a cada rodada da vida eles ficam mais unidos. É um caso raro de casal que nunca cogitou publicamente de se separar, nenhuma crise visível, sempre extremamente unidos e solidários. O que os uni é a cumplicidade no crime e na marginalidade social. Adoram tirar vantagens, cometer pequenas desonestidades e se sentirem vítimas, mas até na suruba são extremamente fiéis um ao outro.
4 - Eles seguiram as formulas mais comuns de união. Desejo de sair de casa, ter uma casa, ter filhos, ter casais amigos, ter rotinas, empregos e tédio. Muito tédio numa vida sem colorido algum. Até o dia em que a beira de uma crise ela reencontrou um antigo namorado e pimba sua vida coloriu e a pressão doméstica subitamente baixou. Ele aproveitou a oportunidade e o tempo disponível e arranjou prazeres em outras camas. Um pacto inexistente os faz levar uma vida normal e feliz. O que os uni é a vida secreta que construíram  a segurança de ter um lugar para voltar, e um cegueira - consentida - que é muito oportuna.
5 - Eles nem sabem porque se casaram, mal lembram a data e a quanto tempo estão juntos. Cada qual tem seu trabalho e mergulham nele. Muitas viagens a trabalho, promoções, vida corrida e sucessos não compartilhados, só na parte material compartilham, o orgulho pessoal compartilham com os colegas de trabalho e com os rivais. Não lembraram de ter filhos ainda, talvez entre os 45 e os 50 anos role alguma "coisa". Não tem planos em comum, as vezes compram um apartamento ou uma casa na melhor praia do litoral norte. O que os uni é uma coisa que nem o mais profundo estudioso do assunto se arrisca a dizer. Nada em comum a não ser o endereço para onde são enviadas as correspondências.
6 - Eles competem em tudo. Discordam de tudo, infernizam um ao outro. Cada milimetro doméstico e disputado com lutas brutais, cada segundo é exigido e se não correspondido viram motivos de ruidosas DRs. Uma vida sem conexão alguma pelo lado da cordialidade, só se conectam para disputar, até no número de posições sexuais mais favoráveis a um do que ao outro durante a transa, no número de orgasmos e no número de M&M que cada um comeu do pacotinho. Nem pensam em se separar, não se sentem seguros para viver outra vida que não seja a de disputar e medir o outro o tempo todo. O que os uni é o amor. As vezes o ódio, na maior parte do tempo o cinismo e o sadismo.
7 - Eles bebem todas juntos, fumam os caretas e os não caretas juntos, viajam em festas depressivas juntos e transam feito coelhos. Sempre com cara de sono e um sorriso babaca no rosto não se imaginam separados. Pouco ambiciosos acreditam já ter chegado ao topo do melhor da vida. Planos de passar o carnaval com uns amigos numa praia deserta onde só vão  malucos, nunca projetam a vida para além de umas 3 semanas. Ainda morando na casa dos sogros, não se importam com a forma como exploram a boa vontade dos velhos. Todos estão acompanhados e felizes. De vezes em quando alguém trabalha e ganha algum, daí dão um alivio na aposentadoria dos velhos. Eternas crianças, nunca brigam, se amassam o tempo inteiro pelos cantos, são a felicidade conjugal emoldurada. O que os uni é a cara de pau e a vontade de não crescer e não fazer ondinha.
Poderia lembrar aqui de mais uma centena de casais unidos e felizes e de como fazem para dar manutenção a união. Descreveria milhares de maneiras de dar jeito às coisas e de como fazer para não derrapar feio no casamento, criando suas próprias normalidades. A vida tem parâmetros mas não tem fórmulas. Dá prá fazer a mesma coisa que outros fazem e obter os mesmo resultados fazendo tudo diferente.

Nenhum comentário: