No domingo em que o Ayrton Senna morreu, estava nublado aqui em São Paulo e eu aproveitei a manhã de outono para obter terra preta para minha horta, enquanto isso pensava: "Ele não completou seu trabalho e agora todos nós começamos de zero e levaremos anos para conseguir outro para ficar em seu lugar."
Do mesmo modo quando via as cenas do cortejo do Fred Mercury, remeti minha lembrança para ele cantando com a Monteserrat Cabalé aquela música muito triste mas lindíssima que ficou pra mim impregnada na imagem final dele, e pensei: " Ele ainda tinha muitas coisas para cantar e ficou faltando uma parte da obra dele, e não vai haver ninguém para ocupar o lugar dele, Vai levar uma vida pra formar um cara igual."
Pensei o mesmo com Fred Astaire, Elvis, John Lennon, o golfinho Flipper, o cavalo de corridas Boticão de Ouro, e uma infinidade de outros. Todos com carreiras interrompidas, com obras pela metade ( acho que pela metade, não sei não se o Fred Asteire ainda tinha alguma coisa pra dançar acho que ele já até estava manco e se o Flipper ainda tinha mais algo para cacarejar, mas é o modo de dizer ). Bem, fora a sensação de perda ficava sempre a sensação de que o algo a ser feito nunca mais seria feito e eu nunca entendi que a morte seja o fechamento de uma obra e sim a interrupção de uma obra maior que nunca será completada.
Mas tem um outro lado, alias dois outros lados.
O primeiro é que quando assisto ao Pink Floyd no show P.U.L.S.E sinto que a banda tem uma obra completa, que os músicos fizeram tudo que deveriam ter feito e que hoje podem reprisar tudo quantas vezes quiserem porque fizeram a volta completa. Nessas vejo o David Guilmor maduro, bonito, tocando invejavelmente e aparentemente sem esforço nenhum, nem uma misera gota de suor durante 2 horas de show. Ele apenas demonstra para mim: Eu vim ao mundo para fazer isso, fiz e agora vou mostrar infinitas vezes para que apreciem.
Já o outro lado é a gente não localizar em nossa biografia uma obra completa ou mesmo um obra iniciada, paralisada ou mal executada.
Então eu divido os cerezumanos em dois grupos: os que obram e os que não obram.
E os que obram em dois grupos: os que não completam e os que conseguem completar.
Invejo estes últimos. Invejo não, sinto uma dor dentro de mim.
Vir ao mundo saber o que se quer e ainda por cima transformar uma ideia em algo completo que pode ser apreciado por muitos vai alem da capacidade da maioria das pessoas.
Uns ficam pelo caminho porque não usaram camisinha, outros porque correm demais, outros porque entraram onde não deviam, o cavalo porque foi explorado demais e quebrou a pata no final de uma prova, outros porque tiveram ideias mas não tiveram iniciativas, outros nem ideias nem iniciativas, outros então nem perceberam nada disto.
Thomaz Edson inventou entre outras coisas a lâmpada eletrica ( que se você não sabe, ainda esta funcionando até hoje na casa que foi dele e hoje é um museu a lâmpada original que deu certo, as fabricas de lâmpadas é que inventaram a lâmpada que queima ), mas ele fez mais de mil tentativas até chegar ao resultado certo. Não foi a obra de uma vida porque o cara inventou mais uma porrada de coisas, mas uma obra completa tanto pode ser rápida como consumir tua existência.
Outros buscaram algo para obrar mas nunca descobriram o fio da meada e ficaram anônimos nas tentativas e repousam sobre seus fracassos. Trabalharam mas não conseguiram aquilo que tento precisar como a obra completa e acabada, aquela que deu certo.
Atrevo-me a buscar o que é uma obra acabada. Ela não é simplesmente tocar a vida e educar os filhos, isso é a rotina, faz parte do instinto, da natureza, já esta dentro da gente. A obra é algo fora da rotina, é o foco, o estalo é descobrir uma face da verdade, é sintetizar essa face em algo que possa ser reproduzido e apreciado.
Uma nota final: Edson não inventou a lâmpada aperfeiçoando a vela, ele descobriu uma coisa nova, era algo tão desafiador quanto aperfeiçoar um garfo.
Um comentário:
Vitório, se me permite um aparte, acho que você está se esquecendo do quanto de beleza você produz e joga para o mundo. Até eu, sabe Deus a quantos mil Km de vc, sou contagiada pelo seu talento e pela forma como vc espalha beleza ao redor. A loja é uma referência viva do seu talento...
Então, moço, retiro-me na minha insignificância, diante do artista que vc é... e eu nem em dez vidas chegarei a ser.
Beijo carinhoso
Mary Joe
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